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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Eu falo português de Minas Gerais, uai, e você?

Não sei se vocês leitores lembram, mas este ano de 2013 deveria ter sido a implantação oficial e obrigatória do novo acordo ortográfico da língua portuguesa. Deveria ter sido porque de última hora a implantação foi adiada para o ano de 2016, com a justificativa de que precisam ser feitas mais discussões sobre o assunto e que ele vinha recebendo muita resistência por alguns profissionais da área. Nada mais esperado quando você está tentando controlar o incontrolável. 

O idioma de um povo faz parte da sua cultura, identifica aquelas pessoas e as diferencia de outros grupos. No Império Romano o domínio do latim era um dos fatores de distinção entre um cidadão romano e um bárbaro. Como tal, a língua falada e escrita por uma sociedade vai além de padrões arbitrários de ortografia, representando uma maneira única como aquele povo enxerga o mundo ao redor. A sociedade brasileira tem a triste tendência tentar impor padronizações culturais, principalmente na maneira como as pessoas falam e escrevem, tal é as três grandes mudanças que colocam na ortografia em tão curto espaço de tempo (1943, 1971 e a atual). Dizem que fazem isso no intuito de aumentar a troca cultural entre os países de língua portuguesa, mas será esse o verdadeiro interesse? Mostrarei que, além de ser o meio errado de se alterar um fenômeno cultural da sociedade, é ineficiente e, como tudo que envolve política no Brasil e no mundo, é envolto em outros interesses e confusões.

A fala e a escrita é a maneira que o ser humano desenvolveu para descrever o mundo ao seu redor e transmitir informações e conhecimento aos seus semelhantes. A partir do momento que em nosso desenvolvimento tomamos conhecimento do mundo ao nosso redor fazemos a pergunta fundamental: "O que é isto?". Então, nossos pais, avós, tios e mais tarde os professores vão nomeando os diversos objetos que fazem parte desse nosso fantástico mundo, porque tudo nele tem um nome. Essa nomeação que damos aos objetos e fenômenos do mundo muitas vezes são universais, devemos lógico traduzir a expressão para o outro idioma, mas ela carrega a mesma significação em ambos. Por outro lado, há aquelas palavras que são únicas de uma determinada região e de um determinado povo; e mesmo países que falem o mesmo idioma, como Brasil e Portugal para efeito de exemplo, apresentam muitas diferenças devido a região do idioma. Por favor, nem precisamos atravessar o oceano para percebermos isso, dentro do nosso próprio país há diferenças de uma região para outra. Mas isso não impede uma troca cultural entre as diversas regiões desse grandioso país. Então, porque algumas regras arbitrárias de ortografia aproximariam nações?

Apresentamos o primeiro obstáculo à utópica unificação tão bravamente defendida por setores do governo. A língua portuguesa vai muito além do português do Brasil e do português de Portugal. Mas, você pode perguntar, existe uma forma "oficial" de se escrever. Aquela que encontramos nos livros de gramáticas e aprendemos na escola. Sim, há, mas ela é simplesmente arbitrária e foi arbitrariamente alterada pelo menos três vezes em pouco mais de 50 anos. Vocês devem conhecer alguém vivo que tem mais de 70 anos. Então, essa pessoa nasceu com uma norma ortográfica (antes de 1943), estudou na escola outra norma ortográfica diferente da que existia quando nasceu (depois de 1943 e antes de 1971) e agora vive sua vida adulta em uma outra norma diferente das duas anteriores (depois de 1971). Não esperam nem uma geração acostumar-se com a mudança, ou pelo menos deixarem esse mundo, para introduzirem outra. Daqui a pouco, quando as crianças perguntarem "Como se escreve isso?", diremos "Não sei filho, ainda está em votação no Senado.".

Para bem da verdade é absolutamente possível compreender, talvez com um mínimo de esforço, um texto escrito em português de Portugal, bem como alguém lá pode entender um texto escrito com as normas ortográficas daqui. Então, se tal processo de unificação dos idiomas não irá impactar tanto as pessoas a se comunicarem melhor, a quem isso irá beneficiar? Eu tenho uma idéia (olha só o corretor automático está até me corrigindo :) ), as grandes editoras, principalmente brasileiras, que não terão tanto custo para traduzir os livros de um padrão para outro e poderão competir com as editoras portuguesas nos mercados das outras ex-colônias de Portugal. É difícil admitir, mas esse acordo ortográfico, disfarçado com os interesses de maior cooperação diplomática internacional, é um golpe a la Brasil

Você pode imaginar que o brasileiro, ou pelo menos uma parte deles, não fariam isso. Sinto desapontar, mas eles são mais "espertos" do que parecem. Em meio às discussões com os outros países, a Academia Brasileira de Letras lançou aqui no Brasil o Vocabulário Ortográfico, custando singelos R$120,00 (totalmente acessível a TODOS os brasileiros). Você deve estar surpreso, achando assim, o acordo ortográfico não devia ser comum? Os demais países perguntaram-se a mesma coisa, e, em resposta, a Academia respondeu "em nenhum momento o acordo fala em vocabulário comum. O VOLP, portanto, é brasileiro, e os outros países de Língua Portuguesa poderão criar o seu.". Esta é a idéia do trabalho em equipe desse grupo de brasileiros. Não, não envergonha só você não.

Portanto, além de arbitrariamente tentar alterar expressões culturais do ser humano, que deviam ser sujeitas a mudanças de evolução natural do passar do tempo, não em imposições legais, escondem interesses esdrúxulos por detrás de intenções de "unificação". Eu falo um português único, da região em que nasci, desenvolvido e modificado ao longo de séculos. O bonito é essa diversidade dessa grande nação, não deixem que interesses monetários acabem com essa identidade sua, em prol de um ideal de padronização. Não somos produtos para sermos padronizados.

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