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terça-feira, 6 de novembro de 2012

5 de novembro

Ontem foi 5 de novembro e nas redes sociais viu-se um movimento de comemoração a essa data, marcado pela publicação de trechos do poema "Remember, Remember...The FIFTH OF NOVEMBER, the gunpowder treason and plot. I know with no reason why the gunpowder treason should ever be forgot.". O dia ficou bastante conhecido pela graphic novel  de Alan Moore, V de Vingança, e hoje é o símbolo do grupo Anonymous, mas poucos sabem o que foi a Conspiração da Pólvora. Neste texto, vamos ver como uma fracassada tentativa de golpe ao trono inglês em 1605 ficou mundialmente conhecida até hoje.

A história começa no reinado de Henrique VIII, o rei que ficou conhecido por se casar seis vezes na tentativa de ter um filho. Entre os anos 1533 e 1540 o rei assumiu o controle da Igreja Católica e se tornou líder da Igreja da Inglaterra. Com o crescente poder da nova Igreja iniciou-se uma perseguição aos católicos. A filha e sucessora de Henrique, Elizabeth I, deu continuidade à reforma religiosa requerendo que qualquer pessoa nomeada a um cargo público jurasse lealdade ao monarca como líder da Igreja e do Estado. A punição para desobediência podia chegar à morte. O catolicismo tornou-se marginalizado na Inglaterra e seus membros atuavam em segredo.


A rainha Elizabeth I não era casada, não deixou herdeiros e recusou-se a nomear um sucessor, o que abriu brechas para conspirações na sucessão. Católicos acreditavam que sua prima católica, Mary, rainha da Escócia, era a legítima herdeira ao trono, mas ela foi executada por traição em 1587. O Secretário de Estado Inglês, Robert Cecil, negociou secretamente com o filho da Rainha Mary, James VI da Escócia, para suceder ao trono inglês. Apesar de várias outras pessoas clamarem outros possíveis sucessores, a proclamação de Cecil em 24 de março foi bem recebida por todos, até mesmo por católicos. James era um rei que certamente proveria uma sucessão ao trono, algo que os antecessores não fizeram. Casado com Anne, da Dinamarca, já possuía filhos, muito bem vistos pela sociedade inglesa.

A atitude de James I em relação aos católicos foi moderada, até mesmo tolerante. Ele prometeu que não perseguiria quem se mantivesse quieto e obedecesse a lei. Defendeu que preferia exilar os acusados a condená-los a morte. Dentre os católicos existia a esperança de que o fato da sua mãe ter sido católica e dela ter sido morta por traição o faria converter ao catolicismo. Algo que não aconteceu.

Como o rei não mostrava nenhum sinal de que iria colocar um fim à perseguição religiosa, padres e nobres católicos decidiram agir por si mesmos. À época era comum a ideia de que era permitido o regicídio para remover tiranos do poder. Nesse sentido vários monarcas europeus sofreram atentados, inclusive uma tentativa de envenenar a rainha Elizabeth I. Dois planos, um por membros do clero e outro por nobres, Bye Plot e Main Plot, foram orquestrados. O primeiro pretendia sequestrar o rei e mantê-lo cativo até que se comprometesse a por fim à perseguição. O segundo pretendia substituir o monarca por Arbella Stuart. Ambos planos fracassaram. Alguns dos conspiradores foram executados outros receberam o perdão real. Em fevereiro de 1604 a esposa de James recebeu um rosário enviado pelo Papa. Pouco depois  rei ordenou que todos os jesuítas e padres católicos saíssem do país. Em 19 de março em um discurso ao Parlamento James falou sobre seu desejo de assegurar a paz, mas só através da "verdadeira fé" e reiterou seu desejo de terminar com a perseguição. Uma semana após o discurso 900 casos foram apresentados perante a corte de Assizes e no dia 24 foi apresentado no Parlamento um projeto que tornaria todos os seguidores do catolicismo ilegais.

O plano dos conspiradores era basicamente matar James I e colocar sua filha de 9 anos, a Princesa Elizabeth, no governo. Mas vários outros importantes alvos estariam na abertura do Parlamento, incluindo os familiares do monarca e membros do Conselho. O líder do movimento era Robert Catesby, um conspirador já condenado que tomou parte em uma conspiração em 1601. A rainha Elizabeth o permitiu fugir após multá-lo em 4,000 marcos. Em 1603 ele tentou convencer o rei da Espanha, Philip III, a lançar um ataque contra a Inglaterra, defendendo que ele receberia o apoio de vários católicos ingleses, mas Philip, apesar de tentado, resolveu fazer a paz com James I. Mas se Catesby não conseguiu convencer o rei espanhol ele conseguiu convencer seu emissário, Thomas Wintour, em um encontro na sua casa algum tempo depois. O tio de Wintour havia sido condenado por ser católico e ele mais tarde também se converteu. Apesar de temer o que pudesse acontecer se o plano falhasse, Thomas concordou com o plano.

Thomas foi à procura de espanhóis para apoiar o plano e em sua busca encontrou Guy Fawkes, um ex-membro do exército, católico, que também havia ido à corte espanhola pedir uma invasão à Inglaterra. Juntos eles e outros conspiradores voltaram para a Inglaterra e relataram a Catesby que um apoio espanhol era improvável. A primeira reunião do grupo foi em 20 de maio de 1604, quando eles fizeram um juramento de segredo e tomaram conhecimento dos detalhes do plano de explodir a Câmara dos Lordes durante a abertura do Parlamento. Após esse encontro houve um período de um ano, duranta o qual os conspiradores puderam se preparar para o ataque. Novos membros foram recrutados à conspiração, outros membros subiram a postos estratégicos no governo inglês.

A abertura do Parlamento foi adiada duas vezes devido o temor da peste negra. Neste período Catesby consultou o padre Henry Garnet sobre a moralidade de uma ação que podia levar à morte inocentes juntamente com culpados. Garnet respondeu que normalmente tais atos podiam ser desculpados, mas que pessoalmente abominava-os. O padre jesuíta Oswald Tesimond contou a Garnet que recebeu a confissão de Catesby pela qual ficou sabendo do plano. Tesimond reconheceu que o relato foi feito sobre o segredo da confissão e, sem revelar o teor do plano, escreveu uma carta aos líderes da Igreja Católica em Roma, preocupado com um atentado ao rei na Inglaterra.

Os detalhes do plano foram decididos em outubro. Fawkes ficaria responsável por guardar e acender a pólvora e depois fugiria pelo rio Tâmisa, enquanto uma revolta em Midlands ajudaria no rapto da princesa Elizabeth. Fawkes depois iria para o exterior notificar as autoridades católicas da Europa sobre os eventos na Inglaterra. No entanto, no dia 26 de outubro, Monteagle - cunhado de um dos conspiradores - recebeu uma carta anônima alertando-o para ficar longe do Parlamento no dia 5 de novembro. Sem entender o significado da mensagem, Monteagle entregou a carta a Salisbury. Este informou ao Conde de Worcester. Um servo de Salisbury, com conexões familiares com um dos conspiradores, informou Catesby da traição. Salisbury já tinha uma suspeita sobre a tentativa de golpe, só não conhecia os detalhes da conspiração.

A carta foi entregue ao rei e ele presumiu que o plano seria algum tipo de explosão. Nos próximos dias membros do Conselho Real visitaram o rei e informaram que, baseado na carta entregue por Salisbury, o Lorde Thomas Howard conduziria uma série de buscas no parlamento acima e embaixo dele. Os conspiradores discutiram se deviam abandonar o plano, mas foram tranquilizados de que a carta de Monteagle não havia dado informações nenhuma. No dia 4 de novembro uma busca foi feita no subsolo do parlamento e encontraram madeiras guardadas por Guy Fawkes. Fawkes disse que a madeira pertencia ao seu mestre, Thomas Percy, e os guardas foram embora notificar o rei das descobertas. O rei insistiu que uma busca mais minuciosa fosse realizada e à noite, no mesmo dia, os guardas retornaram ao local e descobriram, escondido abaixo das madeiras, pólvora e armas. Fawkes foi preso nas redondezas do local e conduzido à presença do rei na manhã seguinte, 5 de novembro.

Fawkes sendo preso


A notícia da prisão de Fawkes espalhou-se rápido por toda Londres. Todos os conspiradores apressaram-se a fugir para a cidade de Dunchurch a noroeste de Londres. A história da conspiração já estava ficando cada vez mais conhecida e os guardas elevaram a segurança nos portões das cidades. Um mandato de prisão foi expedido para Thomas Percy e uma guarda foi destacada para proteger a embaixada espanhola, que estava cercada por uma multidão. Fawkes, no primeiro interrogatório, não negou que pretendia explodir o Parlamento e matar o rei, mas alegou que agia sozinho. Enquanto isso, Catesby tentava convencer que, apesar do plano original ter sido arruinado, uma insurreição armada ainda era possível.

No dia seguinte, o Chefe de Justiça, Sir John Popham, já havia descoberto o nome de vários conspiradores, incluindo Catesby. Fawkes insistia em sua versão, então o rei decidiu que ele deveria ser torturado. A tortura só podia ser usada com uma autorização real ou de algum membro do Conselho do Rei. Em 7 de novembro, Fawkes confessou.

Enquanto Fawkes não confessava, Catesby e outros conspiradores tentaram arrumar mais pessoas interessadas em participar da conspiração. No entanto, eles conseguiram pouco, quase nenhum, apoio, porque as pessoas estavam com medo de se envolverem em traição. Um acidente com pólvora na casa onde os remanescentes conspiradores estavam escondidos os deixam feridos. E no dia 8 de novembro, Richard Walsh, Sheriff de Worcester, cercou a casa dos conspiradores com 200 homens. Na troca de tiros, Catesby e Percy foram mortos. Outros quatro conspiradores foram presos.

A conspiração serviu para o parlamento passar mais leis anti-católicos. Padres e jesuítas foram perseguidos e presos, alguns conseguiram fugir. Basicamente, a Inglaterra voltou ao sistema do reinado de Elizabeth I, em que funcionários públicos deviam jurar lealdade à Igreja de Inglaterra. A libertação católica levaria 200 anos para ocorrer, mas, mesmo assim, durante o reinado de James I houve relativa tolerância. O evento foi muito abordado na literatura, William Shakespeare já fazia referência à conspiração. A Conspiração da Pólvora foi comemorada por anos com sermões e atos públicos que evoluíram para o Bonfire Night de hoje.

Bonfire Night


O evento tomou uma nova abordagem na graphic novel de Alan Moore, na qual o personagem V usa uma máscara que lembra as feições de Guy Fawkes e trama um plano de explodir o Parlamento para incitar uma revolução contra um governo totalitário que havia se instalado em uma Inglaterra fictícia. Hoje o grupo Anonymous e muitos outros manifestantes ao redor do mundo utiliza-se da máscara do Guy Fawkes também.

Manifestantes com a máscara do Guy Fawkes


Um poema foi escrito para lembrar a data e é com ele que termino este texto. Queria tê-lo postado ontem, mas não consegui terminar a tempo, mas para o ano que vem você estarão mais informados para o dia 5 de novembro.


Remember, remember the fifth of November,
The gunpowder treason and plot.
I know of no reason why the gunpowder treason
Should ever be forgot.
Guy Fawkes, Guy Fawkes, 'twas his intent
To blow up the King and Parliament.
Three score barrels of powder below,
Poor old England to overthrow;
By God's providence he was catch'd
With a dark lantern and burning match.
Holloa boys, holloa boys, make the bells ring.
Holloa boys, holloa boys, God save the King!
Hip hip hoorah!

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