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quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Novas definições de casamento

Vivemos um período de reestruturação da concepção do casamento, desde que em 5 de maio de 2011 o STF decidiu por unanimidade a constitucionalidade da união entre pessoas do mesmo sexo. Recentemente, um cartório da cidade de Tupã, em São Paulo, aceitou a união entre um homem e duas mulheres, levantando mais uma discussão sobre o que, moral e legalmente, pode ser considerado casamento. No ornamento jurídico brasileiro, e por sinal em de muitos países ocidentais, a bigamia é claramente proibida por lei, sendo aqui proibida pelo artigo 235 do Código Penal, sob pena de dois a seis anos de reclusão.

A família - origens filosóficas

Apesar da família ser o bloco fundamental da sociedade os filósofos ao longos dos anos negligenciaram o estudo aprofundado dessa estrutura social tão importante. Os gregos pré-socráticos dedicaram seu estudo ao cosmo, ao universo; os socráticos dedicaram-se à polis e à alma; o cristianismo dedica-se ao universal, à união entre todos que partilham a mesma fé em Cristo e são, portanto, irmãos; e a filosofia moderna entrega-se ao individualismo, à subjetividade, à autonomia e à fundamentação dos costumes sobre a base da razão. 

Parecia que no século XIX, com a acelerada urbanização, com o surgimento das grandes metrópoles, a elevação do homem cada vez mais como um "animal social", levaria o ser humano a pensar sobre a família, mas não foi isso que aconteceu. A filosofia continuou centrada no universal, na estrutura de classes sociais, desse novo contexto social, nas questões de raça, nação, enfim, no geral e não no específico. 

Isso pode ser explicado porque, até quase meados do século XX, a família era vista como o local que o indivíduo tinha apenas suas necessidades biológicas satisfeita, alimentação, reprodução etc, e a construção humana, que realmente valia ser discutida, encontrava-se além, fora do contexto familiar. Portanto, definiu-se família como união entre um homem e uma mulher, no caso das culturas ocidentais, e não se discutiu sobre isso.

A sociedade humana pode ser dividida nas esferas público e privada, que também pode ser estendida para uma divisão biológica e social. É na família que temos nossas necessidades privadas(biológicas) saciadas, mas também é lá que somos introduzidos aos primeiros conhecimentos sobre o mundo exterior, à língua falada, e toda uma gama de atitudes, valores, conceitos, que são aceitáveis pela sociedade na qual a família está inserida. É da família que o indivíduo descobre que é parte de algo maior, uma sociedade, e que há outras pessoas no mundo, portanto, podemos considerar a família como o embrião do universo social. 

Essa análise, apesar do fundamental papel da estrutura família, renega-a a uma posição secundária, porque, como eu disse acima, onde encontra-se o que realmente deseja-se estudar é no público e não no privado. Essa postura de não analisar a família, de considerá-la por si só como algo óbvio, mostra que este conceito é recebido através das gerações, sem se pensar a respeito, e encontra-se impregnado dos preconceitos que passa por evidente e não chega nem a ser criticados. 

A família - origens antropológicas

Lévi-Strauss caracteriza a família como estrutura essencial que levou a espécie humana a passar do estado natural, de hordas primitivas, para a sociedade humana propriamente dita. É dessa mudança, que os grupos humanos deixam de ser hordas promíscuas de primatas, submetidos à vontade de um macho dominante, e passam a se organizarem em grupos definidos por laços de sangue, que proíbe o incesto, surgindo as definições de pai, mãe e irmãos. Assim surgiram grupos ligados por sangue, que difundiam entre si conhecimento, valores, cultura; a união desses grupos formaram as primeiras tribos humanas. 

Nessa estrutura a figura da mãe representa a ternura, o amar e ser amado, marca o desenvolvimento emocional da criança. A figura do pai também é importante, introduz a criança à diferenciação dos sexos, algo que será constante por toda sua vida, e, além disso, ao conceito de poder, autoridade, disciplina. Como pode-se perceber, a família não era uma simples estrutura que saciava as necessidades do ser humano, mas uma estrutura formadora das pessoas; ela assumia funções que mais tarde foram substituídas por outras estruturas da sociedade, como a escola. 

Até o fim dos padrões medievais esses laços sanguíneos eram muito importantes para definir a posição do indivíduo dentro da hierarquia social. Nesse contexto, pessoas de laços de sangue considerados inferiores não eram considerados 'irmãos' e não gozavam dos mesmos direitos que pessoas de alto nascimento. Contudo, com o advento do capitalismo, a família passa de um papel definidor da sociedade que está inserida, para um papel de absorver as ideologias desta sociedade. Já não existe aquele amplo laço que unia vários grupos como irmãos, a família reduze-se a grupos cada vez menores, independentes, e únicos responsáveis pela educação de sua prole. 

A ideologia capitalista de uma busca constante por saciar o prazer individual dissolve facilmente essa estrutura, antes baseada em amor recíproco, respeito e solidariedade. Os filhos, se não são desejados, tornam-se um fardo, e cada vez mais as famílias buscam têm menos crianças, já que o mandamento capitalista de saciar seus próprios desejos vai de encontro com a existência de uma terceira pessoa, completamente dependente de seus cuidados. Nesse contexto, a clássica definição de família, como estrutura formadora do indivíduo, não pode existir.

Futuro

Dificilmente algo voltará a ser como era, se existe algo que a história pode nos ensinar é que as mudanças caminham em um único sentido, para frente. Vivenciamos hoje o conflito de duas vertentes, e isso é completamente natural em períodos transitórios; o que podemos esperar é dessa divergência irá emergir um consenso que definirá as novas relações da família. Há bem pouco tempo era proibido, nos Estados Unidos, o casamento entre afrodescendentes e pessoas 'brancas', um resquício da ideia de que eles não eram iguais, não eram irmãos. A mudança não surgiu sem questionamentos e sem que pessoas não vissem isso como errado. Todo tipo de mudanças em conceitos tão arraigados na sociedade serão questionadas e terão opositores, o fundamental papel dos dirigentes da sociedade é tirar um consenso dessa divergência.

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História Social da Criança e da Família
O livro traz os seguintes temas - Sentimento da infância; As idades da vida; A descoberta da infância; O traje das crianças; Pequena contribuição à história dos jogos e brincadeiras; Do despudor à inocência; Os dois sentimentos da infância; A vida escolástica; Jovens e velhos escolares da Idade Média; Uma instituição nova; O colégio; Origens das classes escolares; As idades dos alunos; Os progressos da disciplina; As 'pequenas escolas'; A rudeza da infância escolar; A escola e a duração da infância; A família; As imagens da família; Da família medieval à família moderna; Família e sociabilidade.



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