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quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Eutanásia, o direito de morrer

Quando a discussão é sobre a eutanásia eu não consigo evitar lembrar o livro Leviatã de Thomas Hobbes, filósofo absolutista do século XVII. No livro ao abordar se o cidadão de um Estado teria o direito de terminar sua própria vida ele diz que a vida da pessoa não pertence a ela e sim ao governante e que se ela fosse pega tentando terminá-la o governante deveria tirá-la dela como exemplo. Agora não estamos mais em um Estado absolutista, mas a nossa vida ainda não nos pertence. Por que é tão inaceitável que alguém que esteja em um estado de semi-vida, irrecuperável, às vezes com dores insuportáveis, queira morrer?

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O medo da morte é completamente natural na espécie humana, afinal conseguimos criar naves que vão à Marte, mas não conseguimos evitar que a nossa vida termine. Além disso, não sabemos o que há "do outro lado" e ter medo do desconhecido é altamente compreensível. Contudo, não mantemos alguém vivo por causa da pessoa, afinal ela está em uma situação lamentável e irrecuperável, fazemos isso por egoísmo de não querermos aceitar que ela não irá recuperar. Hoje morreu o britânico Tony Nicklinson que lutava na justiça pelo direito de terminar sua vida porque sofria da Síndrome do Encarceramento desde 2005. Ele só era capaz de se comunicar piscando os olhos e dizia que sua 'vida' havia virado um pesadelo desde o derrame. A justiça britânica negou seu pedido - ele morreu de causas naturais segundo a família - considerando que seria uma grande mudança na atual lei de suicídio assistido, porque o paciente não poderia engolir por si só os medicamentos para acabar com a sua vida. 


Tony Nicklinson


São inúmeros os argumentos contrários a eutanásia, desde religiosos, filosóficos, até os políticos e sociais. Segundo quase todas as religiões e alguns filósofos a vida é sagrada e não cabe ao ser humano, muito menos ao médico, terminá-la. Vamos analisar, então, o que é vida. Ser mantido respirando somente através de aparelhos, alimentado por uma sonda e comunicar apenas piscando os olhos é uma vida? O lado bom da vida é o fato de você poder aproveitá-la, senti-la, se você não pode fazer isso, você já não está vivo, só está sendo mantido vivo. Suas necessidades biológicas básicas estão sendo saciadas, não por você mesmo, mas por outra pessoa, e esta está te mantendo 'vivo'. 

O nosso Código Penal atual, de 1945 para ver quão atual ele é, não trata especificamente da eutanásia, mas considera qualquer ato antinatural para terminar a vida um crime. A discussão durante o projeto do novo Código Penal trará uma visão mais atual sobre esse e outros assuntos polêmicos. Equiparar eutanásia a homicídio doloso, como é considerado atualmente, é impreciso. A questão de vida e morte vai além disso e a liberdade individual de decidir terminar sua vida deve ser levada em consideração, se não estaremos vivendo no Estado absolutista de Hobbes.

A visão que mais importa e que deveria ser mais levada em consideração é a do doente. Devíamos esquecer o que acreditamos ser moralmente certo, religiosamente certo, e considerar o desejo daquela pessoa. Se observarmos isso as reações variam de paciente para paciente, alguns querem continuar vivos, seja pelos familiares e amigos, seja porque ainda têm esperança de sobreviver ou força para lutar contra a dor. No entanto, há também aqueles que estão cansados, querem uma morte livre de dores e sofrimentos, querem apenas descansar. Por que impomos a este tão arbitrário conceito de certo e errado? Afinal a vida é nossa ou dele para decidirmos por ele se deve continuar vivo ou não? Alguns países condenam uma pessoa a morte, mas não permitem uma escolha morrer ou não.

Disso tudo o mais importante também é nos colocarmos na posição do doente, porque algum dia pode ser algum parente próximo ou mesmo você nesta situação, e pensar "o que eu iria querer?". Contudo, façamos isso honestamente, sem moralidade fajuta de alguém que não está e nunca esteve em uma situação de beira de morte. Só assim poderemos realmente entender o sentimento da pessoa e dar conselhos a ela do que melhor fazer com a sua vida, mas não confunda, conselho não é ordem e a pessoa não tem nenhuma obrigação de seguir seu conselho.

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